quinta-feira, 7 de março de 2013

Foi plágio?

A Doutora Renata Ferreira Costa defendeu em outubro de 2012 sua tese de doutorado intitulada "Um caso de apropriação e fontes textuais: memória história da capitania de São Paulo, de Manuel Cardoso de Abreu, 1796". Com um minucioso e excelente trabalho de levantamento histórico, Renata analisou a denúncia feita por historiadores como Capistrano de Abreu e Afonso de Taunay de acordo com os quais a obra "Memória histórica" de Manuel Cardoso de Abreu era plagiada. A pesquisadora de fato constatou que 76% da obra acusada constitui-se da reprodução de fontes que não foram citadas, entre elas o texto "Memórias para a História da Capitania de São Vicente", escrita pelo Frei Gaspar da Madre de Deus, com a qual há uma correspondência de similaridade de 54,2%. Não obstante isto parecer um caso explícito de plágio, a autora da tese chega a conclusão final de que "a apropriação textual realizada por Manuel Cardoso de Abreu não pode ser considerada um plágio, mas uma reescritura de textos alheios, isto é, uma compilação" (COSTA, 2012, p.166). Interessante como a autora sustenta esta tese observando uma característica conhecida dos pesquisadores, qual seja, a de que o plágio é um fenômeno complexo que possui nuances que variam no decorrer do tempo e nas condições em que é observado. Neste sentido, a Dra. Renata observa que na época de Manuel Cardoso (Séc. XVIII) o reaproveitamento de textos alheios não era considerado plágio, seja do ponto de vista da concepção que se tinha da escrita da história, bem como do ponto de vista jurídico que à época ainda não legislava sobre o assunto, aliás, algo que bem notado pela a autora, ainda hoje não está inteiramente esclarecido pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9610/98). Assim, a autora conclui que as acusações de Taunay e Abreu são extemporâneas e filiadas a uma modalidade de leitura da história fundamentada na necessidade de documentaçao das fontes, uma modalidade concorrente da forma tradicional (copista) de registro da história. Daí a conclusão que Manuel Cardoso de Abreu não cometeu plágio. O interessante deste trabalho é que ele reforça constatações e suscita indagações. O fenômeno do plágio precisa ser analisado sempre na perspectiva da especificidade de cada caso, e é neste sentido que há de se considerar o plágio acadêmico, uma modalidade de ocorrência que estrapola, por exemplo, o alcance jurídico. Além disto, talvez a categoria de envolvimento com o plágio acadêmico mais comum na atualidade seja o plágio acidental, aquele que decorre do desconhecimento do redator das regras e convenções científicas, da incapacidade de escrita científica ou até mesmo resulta da desinformação em relação às diferentes possibilidades de ocorrência do plágio, algo que vai bem além do simples copiar e colar. Então, poder-se-ia dizer que "não foi plágio" quando em um trabalho acadêmico constata-se similaridades não intencionais? Ou o que dizer dos casos de conluio, quando um terceiro cede ou vende inteiramente seu trabalho original para que seja reutilizado e reapresentado ao público acadêmico como se fosse próprio? São questões difíceis cuja reflexão e resposta não pode ser simplista... Lembro-me aqui de Bouvard e Pecuchet, os simpáticos personagens de Flaubert, que nutriam o íntimo e honesto desejo de produzir novos conhecimentos. Mas depois de muitos e contínuos fracassos, frutos frequentes de sua inépcia e capacidade, acabam por concluir: “Nada de refletir! Vamos copiar. A página deve ser preenchida [...].” (FLAUBERT, 2007, p. 353).

Nenhum comentário:

Postar um comentário